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Há dias bons e dias maus. Ponto final. Parágrafo

Há dias bons e dias maus. Ponto final. Parágrafo

09
Mai23

Contrariedades

Maria Pinto

“Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.”

Não sei o que tenho esta semana, mas ando cansada, desgastada, talvez seja das obras e mudança de casa ou talvez esteja apenas numa fase mais difícil…não ter nada organizado, para alguém que precisa de organização, é terrível!

Estou mesmo a precisar de férias! Algo que já não acontece mais de 6 meses e num local de trabalho novo, só poderei gozar os tão esperados dias de descanso seis meses após início de funções. Preciso de tempo. Ter tempo para mim, significa, pensar mais na vida, ler e escrever, estar numa esplanada, apenas a contemplar a paisagem…é estar com os meus pensamentos e tentar alcançar algum tipo de equilíbrio, que por vezes, sinto, que me falta. Com todos os meus defeitos e com todas as contrariedades, gosto de mim. Cheguei a um patamar em que acho que já me conheço o suficiente, já sei como funciono. A questão é tentar evoluir e ir um pouco além…isso é que é difícil. Gosto de mim, e gosto de estar comigo, mas por vezes, nesse bem estar, não gostámos do mundo, ou pelo menos, não estamos em sintonia com ele. As crises existenciais não são um cliché da adolescência. Simplesmente começam na adolescência, para a grande maioria de nós. Ao longo da nossa vida, temos várias crises existenciais…Curioso…toda a gente diz que hoje em dia a vida corre. Corremos todos muito e muitas vezes nem sabemos o destino, apenas corremos. Corremos atrás de quê? A vida passa a voar e nem nos damos conta…Quem nunca ficou surpreendido por um determinado acontecimento ter acontecido há mais tempo do que julgávamos? Que determinado filho de um colega tenha mais anos do que pensávamos? De que trabalhámos naquela empresa há mais tempo do que achávamos? E para não falar do ar de surpresa quando olhámos para a carta de condução e pensámos, já tenho a carta há tanto tempo??!!

É mesmo assim, a vida corre e não parámos para pensar. Quando parámos, por vezes, vêm as crises existenciais. O chão que se nos é tirado e a altura em que caímos. A questão é se estamos perto do abismo ou apenas de um poço com pouca profundidade…No meio de tudo isto, destas contrariedades terráqueas, destas limitações humanas, dou comigo a pensar que se calhar o melhor é mesmo corrermos. Haveria muita mais depressão entre nós se parássemos mais. O ser humano tem de pensar, mas se pensar muito, está tramado. É como os defeitos/virtudes. Tudo pode ser bom, se não for em demasia…o orgulho, a teimosia, a obstinação, a frustração, enfim…tudo! Existe uma linha muito ténue entre a sanidade e a doença, entre o normal e o anormal, entre a funcionalidade e a loucura!

Estou num dia assim, de julgar que a vida por vezes é ingrata e injusta e no meio desta minha crise existencial, que começou por ter tempo para mim e me aperceber de que se penso muito e analiso mais e procuro respostas e pormenores posso passar a linha, que é tão ténue…e depois olho para o lado e vejo o mundo não com os olhos virados para dentro, mas com os olhos virados para fora e sinto-me uma privilegiada. Assim como assim há quem esteja tão pior do que eu…que já passou a linha há muito tempo e que nem se apercebeu. O que aconteceria a essas pessoas se parassem e pensassem?

O dia, afinal, não me parece tão mau. Com o sol a espreitar, até se está bem e no fundo, a esperança é sempre a última a morrer…ou deveria ser!

 
E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!”

   Contrariedades, Cesário Verde

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