"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Tenho a sensação, que está cada vez mais presente em mim, de que ando do lado errado da auto-estrada. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que olho para o mundo e, principalmente para as outras pessoas, e penso que na generalidade sigo e tento seguir um caminho diferente. Quer dizer que a minha postura na vida me parece divergente e que não me entendo com as outras pessoas. Não, não significa que não goste de pessoas, simplesmente não sou como a maioria delas…
Talvez, na realidade, seja apenas uma fantasia minha , achar que sou diferente. Possivelmente haverá milhões a pensarem exatamente a mesma coisa…
Quando era adolescente e já no início da vida adulta, dizia frequentemente que não queria ser apenas mais uma ovelha… que não pertenceria ao rebanho. Passados uns anos, sou uma ovelha igual a tantas outras. Tenho a minha família, o meu trabalho, os meus amigos… luto por ter uma vida melhor… Porto-me bem, pago impostos e não quebro as regras. Não sou do contra… aparentemente! Não sou do contra socialmente e independentemente do partido do governo. Não aceito e não corroboro as intenções dos vários partidos, mas isto não faz de mim uma pessoa à parte. Hoje em dia em Portugal, o meu querido país, a grande parte da população acha o mesmo que eu… Assim, porque digo eu que ando do lado errado da auto-estrada? Porque não entendo bem os valores da nossa sociedade para a qual também contribuo. Não percebo porque é que os jovens não se levantam para dar o seu lugar a um idoso nos transportes públicos, não percebo porque as pessoas correm, não falam e não ligam ao outro e não se preocupam em fazer melhor. Porque não dão o seu melhor. Não concordo com o empurrar o mundo com a barriga e lá se vai andando, como Deus quer! Não aceito a mesquinhez, a ignorância, a preguiça, a incompetência… Todos queremos melhor mas, parece-me que, poucos fazem por isso… O trabalho é bom para ganharmos o nosso ao fim do mês mas não vemos o trabalho como algo que dignifica a nossa pessoa. Que nos faz sermos realizados e contribuirmos para um país e sociedade melhores… Não, não sou workaholic e estou muito longe de pensar que sou a melhor profissional. Tenho pelo menos a humildade e o bom-senso de ainda sentir que tenho muito a aprender e a trabalhar. Simplesmente sou exigente comigo mesmo. Talvez seja por isso que também exijo aos outros. Como mãe queria deixar alguns valores incontornáveis às minhas filhas: a educação (que nunca fez mal a ninguém e é sempre uma arma a nosso favor), a justiça (todos deveríamos procurar a verdade e tentar equilibrar o mais possível a sociedade e não deixo de achar que quem trabalha mais tem de ser mais compensado, mas a justiça perante qualquer ser humano é o mínimo que deveria ser exigido), a verdade (por favor, não à mentira e a todos os que a apoiam.... tanta corrupção leva ao desânimo, ao descrédito e à desmotivação), o trabalho (um verdadeiro valor, uma dignificação e um prazer que nos devemos dar, com o sentido de utilidade aos outros mas principalmente a nós próprios), a responsabilidade (querer seguir regras não significa que sejamos cordeiros/ovelhas amainados, significa podermos viver melhor em sociedade) e a generosidade (praticar o bem, podermos dar um pouco de nós aos outros).
Talvez isto seja apenas um desabafo ou um pequeno exercício de utopia. O sonho existe e a esperança é sempre a última a morrer. Tenho duas filhas e quero acreditar que o futuro será mais risonho e mais leve.
Ainda que tenha a perfeita noção do que aqui digo é subscrito por muita gente, a verdade é que me sinto, muitas vezes, à parte neste mundo. Às vezes, a única forma de me ver é no meu próprio mundo. Refugiando-me de tudo e de quase todos, tentando apenas seguir o meu caminho da maneira mais verdadeira para comigo mesmo. Enquanto eu sentir que me sou válida e que me sigo pelos meus próprios princípios, sei que vou estar bem, ou pelo menos melhor!
Assim, posso ser ovelha, mas pelo menos sou negra. Ando no rebanho mas por vezes escapo-me, mas não de mim mesma!
“Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!”
Cântico negro, José Régio